Naquele dia eu havia saído da faculdade mais cedo. No ponto do ônibus acabei encontrando um amigo que não via há bastante tempo. Ele me falou que estava indo se encontrar com um pessoal do escritório dele num bar bem legal perto dali e perguntou se eu não queria ir também – como convite pro bar não se recusa – olhei o relógio e eram, apenas, 7 da noite, me juntei a ele e tomamos um taxi até o tal bar.
Chegamos, encontramos o tal pessoal, nos acomodamos e pedimos um chopp cada um. Ficamos falando aquelas conversas de bar e então meu telefone tocou. Eu não reconheci o número e acabei atendendo ainda na mesa.
- Alô? – Eu perguntei.
- Oi. Tudo bem? – disse a voz do outro lado.
Eu gelei, senti o frio começar nos pés e terminar na cabeça, passando pela espinha e fazendo todos os pêlos se ouriçarem. Eu não acreditava que havia reconhecido a voz. Não, eu com toda certeza havia me enganado. Ela não me ligaria assim, do nada. Era fato! Eu estava errada.
- Quem fala?
- Você realmente esqueceu minha voz? Você tinha prometido que lembraria pra sempre...
- Camile?
- Sabia que você não tinha esquecido! – ela falou com entusiasmo – Como você está?
- Estou bem. Surpresa mas, bem.
- Ta aonde?
- Eu?
- É.
- To num bar na Lapa.
- Tudo bem então. Foi bom falar com você. Thau.
- Thau.
Eu ainda não estava acreditando no que tinha acabado de acontecer, e isso estava tão estampado na minha face que algumas pessoas da mesa começaram a me perguntar se estava tudo bem ou se havia acontecido algo de grave. Eu acalmei a todos e disse que estava tudo bem, que aquilo não havia passado de uma ligação inesperada.
Eu ainda colocava as idéias no lugar e fazia o coração parar de bater tão de pressa enquanto ria de uma piada que contavam quando mãos cobriram meus olhos, eu toquei nas mãos buscando saber de quem eram, mas no fundo eu já sabia.
- Fala sério, né! Eu nunca vou descobrir quem é. – Falei sarcástica.
- Jura?
Era a mesma voz do telefonema. Se eu não conseguia acreditar naquela ligação tão pouco acreditava naquele toque.
- Você não lembrava mais da minha voz e agora esquece meu perfume... Realmente você se esqueceu de mim...
Ela tirou as mãos dos meus olhos.
- Flower by Kenzo Légère – Eu sussurrei ainda olhando pra frente.
Não me atrevi a olhar um centímetro que fosse para o lado, continuava com o olhar fixo para frente. A surpresa passou, eu me acostumei com a idéia de que era Camile quem estava atrás de mim e senti um gosto amargo na boca, eu pensava em ódio e em saudade.
- Você não vai falar comigo? – Ela disse com tom de alegria.
Eu me levantei e parei em frente a ela. Minha expressão de raiva surpreendeu-a.
- Você quer mesmo agir como se nada tivesse acontecido?
- Eu voltei! – Ela disse com um sorriso.
- E veio me procurar por quê?
- Eu não te procurei, eu te encontrei sem querer nesse bar, mas não acreditei que era você, por isso te liguei pra conferir. Quando você disse que estava num bar na lapa eu tive certeza de que não estava enganada. Depois de 7 meses é assim que você me recebe? – já não havia sorriso nenhum em sua face.
- E como mais você esperava que eu te recebesse? Você sumiu! Eu só soube que você tinha ido pra Itália quando fui te procurar e sua vizinha me disse que achava que você tinha viajado e que ia demorar a voltar. Você não me disse adeus e agora quer que eu te receba feliz. Some da minha vida e me deixa em paz, por favor. – Disse num tom sóbrio e razoavelmente calmo.
Me virei e puxei a cadeira na intenção de me sentar novamente mas, ela me segurou com força pelo braço e me obrigou a olhar para ela. Nesse ponto alguns garçons já estavam olhando curiosos para o que acontecia, dei uma olhada em volta, mas não consegui observar muito, a voz dela me chamava mais atenção que qualquer outra coisa.
- Você ficou com raiva, Amanda? Foi isso? – Ela disse com tom de raiva, mas mudou o tom quando olhou nos meus olhos, e disse com ternura:
- Eu não queria me despedir de você e te ver chorar... Se eu te dissesse que iria passar tanto tempo longe você ia chorar e eu não ia agüentar, pelos menos assim eu sabia que você ia ficar bem e ia se divertir, procurar distrair a cabeça. Foi só isso que aconteceu, eu não queria te magoar. Pára com isso e vamos comigo lá pra minha casa, você dorme lá e tudo termina bem.
- Essa foi a pior desculpa que você já me deu em toda a sua vida, e olha que você já me deu muitas! – Eu disse com desprezo.
Ela segurou meu outro braço com tanta força quanto o primeiro, olhou bem nos meus olhos e eu pude ver um chama de raiva começar a crescer dentro dela.
- Quer que eu seja sincera e realmente justifique o que eu fiz?
- Se não for incomodo. – Disse cheia de sarcasmo.
- Você é o tipo de pessoa que precisa de drama, só isso. Você não sabe viver sem algum problema, sem alguma surpresa, você precisa de tragédias pra continuar onde está, quando o espetáculo termina você sempre vai embora. Se eu tivesse te dito que ia viajar e tivesse deixado você me levar no aeroporto e me dito “adeus” você iria chorar na hora, iria volta pra casa triste e depois de 2 meses realmente já não estaria mais ligando a mínima pra mim, e realmente não lembraria mais da minha voz nem do meu perfume. Você teria ido porque o espetáculo teria terminado, mas eu não terminei o espetáculo, deixei você esperando o ultimo ato e isso quase te matou, isso te rendeu drama suficiente pra todo esse tempo que eu estive fora, por isso você ainda me quer, por isso você ainda não me esqueceu.
Ela soltou meus braços de maneira tão bruta que eu caí sentada na cadeira. Fiquei parada olhando para frente, tão impressionada quanto no começo de tudo.
- Se você quer que eu te deixe em paz, tudo bem. Adeus.
Ela se virou e foi em direção a porta com passos largos.
Eu me arrumei na cadeira e olhei para todos na mesa. Estavam todos pasmo e sem palavras, então eu respirei fundo e disse:
- Desculpem pelo acontecido, não tive a intenção de fazer essa confusão, na verdade nem esperava que algo assim fosse acontecer.
Um borbulho de “não tudo bem não foi nada” aconteceu. Peguei meu celular, respirei mais fundo ainda abri um sorriso entusiasmado e fiz uma ligação:
- Alô, mãe. Você não vai adivinhar quem voltou de viagem! A Camile,é. Posso dormir na casa dela? Por favor! Ta, ela foi buscar o carro. Mando um beijo sim.
Todos na mesa me olhavam com a expressão de quem via um fantasma. Então Leo, meu amigo, perguntou:
- Sua mãe não sabe, não é?
- Não.
- Amanda como você ainda vai atrás dessa mulher depois de tudo que ela te fez?
Eu peguei minha bolsa, levantei, olhei para ele e disse com a voz doce:
- Leo o amor é uma mistura de poker com dados, aquilo que ela falou foi um blefe que infelizmente estava certo.
- Mas você não pode Amanda, não pode. Não faz sentido.
Eu dei a volta na mesa, me abaixei até a altura dos olhos dele e disse:
- Leo lembra que quando eu terminei com você eu disse que tinha bons motivos?
- Sim, lembro sim.
- Aquela mulher são todos eles. Eu nunca conheci alguém que me entendesse tão bem quanto ela. A Camile sabe exatamente o que fazer e quando fazer pra me agradar e pra me surpreender.
Dei um beijinho estalado nos lábios dele, me ergui e me despedi de todos na mesa. Virei as costas e me dirigi a porta. Atravessei o portal e olhei ao redor, Camile estava encostada em um taxi perto da entrada do bar com um sorriso malicioso nos lábios. Eu fui em direção a ela a abracei e comecei a beijá-la. Entramos no taxi e ela me abraçou, as duas haviam entendido que não precisava ser dito mais nada.
- Motorista vire na próxima esquina, por favor.